O projeto “Fragmentos de um Povo” começou com um convite que recebi do publicitário e jornalista Fred Sales em junho de 2011, na época proprietário da agência Ah,lá Comunicação de Brasília, para acompanhar como fotógrafo uma equipe que produzia o documentário “UniãoBrasil” para a União Europeia. O objetivo do trabalho foi registrar e gravar depoimentos de integrantes de comunidades e de alguns projetos assistenciais que a União Europeia apoiava.
Passei por seis estados, incluindo o de São Paulo, onde pude conhecer pessoas e lugares muitas vezes isolados pelo Poder Público. Entre eles, o edifício de ocupação Prestes Maia, no centro de São Paulo, a comunidade Nova Aliança e o Complexo do Alemão, ambos no Rio de Janeiro. Nesse último local, três homens armados levaram minha câmera com todas as fotos que havia feito na comunidade.
São Paulo - Desde outubro de 2010, o Movimento Sem Teto do Centro ocupa o edifício Prestes Maia, no centro da cidade de São Paulo. Na primeira ocupação, de 2002 a 2007, o prédio ficou conhecido como a maior ocupação vertical da América Latina. Os mais de 1000 moradores, divididos em 20 andares, se viram como podem, improvisando um quarto/sala com tábuas de madeira. Só existe um banheiro por andar e a energia elétrica e água são trazidas na base da gambiarra. Porém mesmo adverso, o ambiente lá dentro é muito organizado e na medida do possível familiar.
Bahia - Passado o susto no Rio de Janeiro, segui para a Bahia. Em Salvador, visitei a favela Canabrava, onde a maioria dos moradores são catadores de materiais recicláveis já há algumas gerações. Em Salvador, 3,5 milhões de habitantes e a 7° maior cidade brasileira, os contrastes sociais são gritantes. Fundado no final dos anos 1970, o bairro Canabrava foi um dos imensos terrenos doados pela prefeitura às vitimas das enchentes no centro, em 1976. No Canabrava, a maioria vive da catação, um catador de material reciclável baiano chega a receber por volta de um salário mínimo por mês.
Acima Maria Helena, 43, com Ubiratan Santa Bárbara (ao fundo) um dos fundadores do Canabrava. Ele sobrevive da coleta do material reciclável. Ela, do que encontra nos lixões.
Nas ruas estreitas do bairro, que parece um imenso cebolão, uma das modas entre os jovens é descolorir os cabelos.
Ceará - Continuando a viagem, passei pelo Ceará. Visitei centros precários de apoio a deficientes físicos em Fortaleza e, num deles, conheci Maria da Penha, mulher cujo nome deu origem à lei em favor das vítimas de violência doméstica.
Pernambuco - Percorri o Sertão de Pernambuco, indo até Petrolina e pequenas cidades, como Santa Filomena, Cabrobró, Salgueiro, além de comunidades distantes como a quilombola Conceição das Crioulas. Naquela área foi possível fazer uma reflexão sobre as diferenças culturais e a ausência do que chamamos de mundo moderno. A luz elétrica é pouca. Sistema de esgoto, nem pensar. A economia se baseia no plantio de feijão vagem e no trabalho na lavoura. A maioria esmagadora das almas que habitam o lugar não tem emprego e vivem de bolsas-auxílio do governo e sem nenhuma perspectiva de crescimento.
A comunidade quilombola de Conceição das Crioulas tem aproximadamente 75 famílias, uma praça com uma igreja pequena, casas de barro e alvenaria, cercas de madeira, porcos selvagens e uma infinidade de cachorros e gatos sarnentos espalhados pelas ruas.
Na cidade de Santa Filomena, no semi-árido pernambucano, fiz uma das fotos mais belas da minha vida, fotografei uma senhora ao entardecer, onde a luz criou sombras que a transformou numa santa que materializou o nome da cidade.
Acima fotos de Cabrobró.
Piauí - Chegando em Teresina, no Piauí, subi de carro com a equipe pelo Estado. Passamos pela região dos Cocais, até chegarmos no pequeno litoral piauiense. O Estado mostrou-se incrível, cheio de riquezas nativas mal exploradas, ou monopolizadas pelo sistema coronelista que ainda existe. Foi um pouco mais de um mês viajando e, ao retornar à São José do Rio Preto, fiquei com a sensação de dever não cumprido e passei alguns dias refletindo sobre aquilo que tinha vivido e presenciado. Deixei as fotos à disposição do documentário audiovisual para a União Europeia e, devido à riqueza do material, separei as fotos autorais e resolvi dar continuidade ao trabalho fotográfico, e criei o projeto “Fragmentos de um Povo”.